sexta-feira, 24 de julho de 2009

Texto de Jose Luis Rey...

Quando as pessoas engordavam menos
No intervalo do cafezinho, ontem de manhã, no trabalho, a conversa enveredou pelo saudosismo. A Luciana, a Gisele e a Selma, todas ainda muito jovens, levantaram a questão: antigamente as pessoas comiam arroz refogado na banha de porco, bebiam leite in natura, comiam generosas fatias de pão feito em casa carregadas de man teiga pura e – com tudo isso – eram mais magras. “Minha avó tinha uma cinturinha deste tamaninho”, constatou a Gisele.
“Ah, mas também elas limpavam a casa todo dia, não tinham máquina para lavar a roupa e corriam atrás de uma penca de filhos”, observou a Selma, jogando a culpa desses nossos tempos obesos no excesso de tecnologia colocado ao alcance da mão das pessoas. Enfim, as pessoas se exercitavam com a rotina, andavam mais, saíam para ir, a pé, à casa de amigos e parentes e, nos momentos de ociosidade, entre o jantar e o deitar, arrastavam cadeiras para as calçadas e confabulavam horas a fio com os vizinhos.
Era uma época em que essas atividades – sonorizadas pela gritaria das crianças entretidas em brincadeiras como o salva-pega e o rico-trico – ainda não tinham sido destruídas pelos aparelhos de TV. “Nessas horas, comia-se ainda mais”, comentou a Luciana, lembrando-se das bandejas de pandeló que um e outro vizinho sempre levavam para esses saraus. Sentia-se falta da confraria nas noites em que a chuva desfazia a reunião ou nas ocasiões em que um velório, algumas casas acima, vetava a reunião, “por respeito”.
O que, toda noite, alegrava o convescote era a matraca estridente do vendedor de beijus e o silvo ritmado do apito do sorveteiro – efeitos sonoros capazes de arrebanhar um séquito de moleques atrás das guloseimas e da aventura de preencher o tempo com coisas mais divertidas e interessantes do que o mouse dos computadores, que ainda estavam longe de existir.
Os assuntos entre os adultos variavam em torno de acontecimentos muito, muito próximos. Perguntava-se das pessoas que andavam sumidas havia algum tempo, discutiam-se questões relacionadas com a saúde – “dona Cotinha teve nó na tripa, mas pior foi com o seu Martins, ele está com aquela doença ruim”. Havia, parece, um acordo tácito para que não se pronunciasse a palavra câncer.
Alguma vez você deve ter ouvido que o tema girava em torno da família que, premida por dívidas e pela desonra das cobranças em casa, tomara a decisão de mudar-se, em surdina, durante a madrugada, para outra cidade, de preferência bem longe.
Quando algum acontecimento importante quebrasse a rotina modorrenta do quarteirão, ele era o assunto principal, sempre acrescido de detalhes exclusivos: “Você ouviu a explosão do caminhão-tanque na oficina do Turquetti? O Nelson tinha saído lá de dentro um minutinho antes!”.
Coisas que, às vezes, voltam à memória, puxadas por uma conversa saudosista entre a Luciana, a Selma e a Gisele durante o intervalo para o cafezinho.
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Texto publicado no dia 24/07/09 no Jornal Bom Dia.